quinta-feira, 1 de julho de 2010

silêncio em dois tempos

segunda feira ele dorme
assoviando a nona sinfonia
de trás pra frente
deitado na cadeira
onde assoviou tantas outras
de frente pra trás, acordado

na hora de acordar ele dorme
e sonha um pesadelo oriental
e não pensa em acordar
pensa em continuar dormindo
mesmo num pesadelo
num pesadelo oriental

a nona sinfonia começa
o assovio termina
ele acorda
o pesadelo acaba
as cortinas se abrem

os pássaros cantam em sol
os pássaros cantam ao sol
os pássaros cantam em árvores
em sol, pobres pássaros o céu azul
claro tão que chega ao branco
com nuvens, chove

o pássaros param
dormem, pobres pássaros
morrem, pobres pássaros
ele toma um café
ou um chá, ele toma
o que tiver, ele toma

ele volta a dormir
o sol volta a brilhar
de repente e sua pálpebra
se esquenta e se avermelha
e ele volta a acordar
o sol se estabiliza num
brilho opaco de outono

acordado ele fala
só, ele fala, ele fala só
aquilo que quer ouvir
que quer que seja dito
o gato responde

velho gato preto cego
"velho gato preto cego"
ele diz e o gato não
o velho gato preto cego
não diz nada há um ano
e agora só chora
e responde à solidão

velho triste gato preto cego
ele se senta no sofá
aonde se senta acordado
geralmente
e assovia a ópera de sua mãe
de frente pra trás e toca
piano descalço no tapete no sofá

ele toma mais um café
ou chá ou o que tiver
ele toma o que tiver
duas vezes sempre
o que tiver sempre duas vezes

se senta no tapete
e se encosta no sofá
velho sofá triste preto
só não é cego por ter botões

o velho gato preto cego
deita no sofá e balança
o rabo preto no nariz dele
ele não faz nada só sente
é tudo o que sente
não sente muito, sente uma coisa
o velho triste gato preto cego
e o rabo preto indo e vindo
um pêndulo vivo natural preto

morde o rabo preto
e o velho gato preto cego
pula e berra e foge pra janela
pela janela foge e sente
tudo, ele sente muito
mas não demonstra
frio como um tronco
frio como o outono

pisa na rua fria e preta
com suas patas frias e pretas
se confunde no ir e vir das máquinas
corre foge de algo que nunca viu
e nunca fugiu, o som tortura
trezentos e trinta e três cavalos
alinhados brincam de torturar
alinhados brincam de confundir
alinhados brincam de atropelar
alinhados brincam de sujar
alinhados brincam de feder
alinhados brincam de correr
alinhados brincam de apressar
alinhados brincam de assustar
alinhados brincam de torturar
alinhados brincam de matar
matam

alinhados
brincam

desalinhado
morre velho triste preto cego
mordido traído torturado
confuso atropelado sujo
fedido suado assustado
morto

não responde mais à solidão
ela deixou marcas
no seu triste velho rabo preto.

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