sexta-feira, 30 de julho de 2010

assim falou o semáforo

se você estiver se sentindo um pouco pesado
não se preocupe
você pode comprar um limpador de consciência,
sempre há mendigos na praça.
o preço você escolhe, mas
quanto mais, melhor é o produto, como sempre

mas não se esqueça da ilegalidade desse ato,
então nem olhe pra cara do vendedor.

sábado, 24 de julho de 2010

coroa plástica

o rei do supermercado
prostra-se numa cadeira
e assiste de cima
não da janela
não entre o relógio e a janela
e de cima ele vê
um mosaico formical colorido e morto

repara que
as pessoas são estranhas no supermercado
sugere que
talvez seja porque elas podem ter o que querem

e controla
quando serve um servo
porque não sabe que é rei

quarta-feira, 21 de julho de 2010

pra alguém que picha gesso
pichar muros
só é preciso
quebrar sua casa
a vida não é pra todo mundo
a vida é pra qualquer um
qualquer um que tenha olhos pro escuro
e não pra quem compre uma tv de plasma de 49 polegadas
e não perceba o espelho escondido atrás dos comerciais

terça-feira, 20 de julho de 2010

a língua e o canto dos pássaros

a língua dos pássaros
não existe
qualquer palavra seria um peso para a liberdade
há o canto dos pássaros

e é poesia.
Tudo o que a igreja fez
foi deixar a vida mais confortável
pondo um asscento na única ordem de Deus:

AMEM.

domingo, 18 de julho de 2010

calvilíadas

crescia ouvindo histórias de todos
todos que contavam as histórias
e ele não tinha nada o que contar
só ouvia e dançava e cantava
quando ouvia algo que não era história
e sim música

cresceu e amou umas quatro vezes
duas intensamente uma nem tanto
outra até a morte dela
tinha quarenta e três anos e bateu o carro
ele tinha quarenta e seis e não tinha saído no dia
enquanto ela o traía com seu melhor amigo

agora era só
pensava ter
amado demais
pensava ter
chorado demais
por amor
mas a solidão gritava
e contorcia-se nele
e no seu silêncio

cinquenta e dois
cinquenta e três
cinquenta e quatro
cinquenta e cinco

colecionando livros
e discos de vinil
não tinha o que fazer
só tinha dinheiro
e nem era muito
era o suficiente pra vida
e pros livros e discos

enquanto pensava não ter mais vida
não ter mais nada pra viver
cresciam seus cabelos
e cortava seus cabelos
rasos
no mesmo lugar da avenida
a cada dois meses num sábado de manhã

os cabelos rasos ficavam mais rasos
e quase não tinha mais o que cortar
e ele se apavorou
primeiro pensou que era pelo medo de ficar careca
tentou achar algo
especialistas
produtos
química
ervas
nada
depois
pensou
sobre ser
careca e não tinha problema com isso
não tinha a quem agradar
mas sua angústia não passava
algo o enchia de medo e isso ia aumentando
ele tinha que saber a razão daquilo
ele precisava entender a sua tristeza

um dia
no sábado
ele foi
de novo
cortar o cabelo

quando não se tem nada
você se apega
ao mais fino barbante

bem que ele
no medo
inexplicável
da calvice
percebeu
"eu amo o cabeleireiro".

sábado, 17 de julho de 2010

cinco voltas e meia

o roxo crescia
em tons distintos
e parecia querer contaminar todo o céu

abaixo a fábrica vivia
o amanhecer deixa tudo belo
e o que já é belo ainda mais

pássaros gatos e
risadas eufóricas
brincam entre si

e sem querer
ecoam, o céu os contém
abaixo de si

as folhas balançam
calmas e como poesia
mas todos dormem
ou fazem café

tristes elas param
à tarde e balançam
como idiotas sob o sol

o frio me senta
e me abraço ao mais puro calor
esperando o amanhecer virar dia
pra que eu deixe de ser tão pequeno
e tome um fôlego de ilusão
pra continuar.


quinta-feira, 15 de julho de 2010

não quero e nem vou
começar frases
vou interrompê-las
com o som de um carro

com uma lâmpada
apagada brilhando mais ainda
não vou deixar tudo
fluído e belo como poetas
não sou um poeta
sou só um tom de azul
pintado com um pincel na mão

não quero abotoar a censura
quero atear fogo na camisa toda
quero ir pro fundo do poço
só pra ver se o céu fica mais perto

só pra ver se a noite é tão escura assim
ou se sou eu que apago meus olhos.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

se precisar,
eu aprendo a respirar
debaixo d'água.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

hoje é dia doze
XII
12
hoje
sonhei com o hoje
um sonho acordado
um sonho estranho
sonhei com o doze
não sei,
talvez nada
talvez algo
talvez tudo
um, dois...
é o início?
é o fim?
é o nada?
talvez
só sei que
hoje
eu enterro o doze
e amanhã
começo
o três
III
3
amanhã

the dark side of the éden

nikes vão e vem
na calçada no ritmo
da música celta
parecem feitos pra isso
parecem feitos pra tudo
até pra andar

andam sozinhos até
antes aprisionados em caixas
aprisionadas em quatro paredes
concreto suor ritmado
em uma música menos céltica
menos música
mais concreto suor

num playground
eles brincam
elas não

as cores combinam

domingo, 11 de julho de 2010

a vida é uma lágrima seca
debaixo do mar

sábado, 10 de julho de 2010

número três

o cérebro de Mangou
foi posto numa travessa
junto com outros sete
Pablo, Pedro, Juanes, Zilda, Carlos, Bruch e T.

"estou vivo!" ele berrou
e se lembrou que não tinha boca
todos os outros riram
e se lembraram que nada ouviram

às sete
às oito
às nove
pêssegos lutavam por suas vidas
no porão
claude procurava a verdade

sábado procurava o sol
mas tudo o que via era fumaça
fumaça e nuvem e chuva

Mangou
chora
e se lembra que não tem lágrimas

Mangou
se deprime
e se lembra que não tem coração

Mangou
morre de tédio
(e não de vodka).

terça-feira, 6 de julho de 2010

novos bruxos

vai, Antaud,
ser frouxo na vida
ser broxa na vida

vai, Antaud,
que te esperam
com um vinho
barato
e 100 gramas
de heroína

vai, Antaud,
foge de si
foge de seu
mundo feio
e brilha
no seu travesseiro
com uma caneca de café
com um caderno rabiscado

vai, Antaud,
que te esperam
te esperam com sete anjos
sete anjos apocalípticos dionisíacos

vai, Antaud, vai,
saia do armário, Antaud,
todo mundo sabe do que você gosta
e do que não
você está se escondendo
numa máscara transparente

vai, Antaud, que a vida te espera
e ela não vem te pegar
seus pais não vão te levar
e te buscar às onze

vai, Antaud, que te esperam
não tenha medo, Antaud,
não tenha...

só não fique em cima do muro, Antaud,
não fique dentro do armário,
ninguém sai vivo daqui
a vida está ai para ser usada

um beijo, Antaud.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

o homem é um inventor em duas vias:

quando inventou a nuvem
chamou de chuveiro

a

eu deixei o ódio
e to no amor
azul
apolo
tudo com a

quinta-feira, 1 de julho de 2010

silêncio em dois tempos

segunda feira ele dorme
assoviando a nona sinfonia
de trás pra frente
deitado na cadeira
onde assoviou tantas outras
de frente pra trás, acordado

na hora de acordar ele dorme
e sonha um pesadelo oriental
e não pensa em acordar
pensa em continuar dormindo
mesmo num pesadelo
num pesadelo oriental

a nona sinfonia começa
o assovio termina
ele acorda
o pesadelo acaba
as cortinas se abrem

os pássaros cantam em sol
os pássaros cantam ao sol
os pássaros cantam em árvores
em sol, pobres pássaros o céu azul
claro tão que chega ao branco
com nuvens, chove

o pássaros param
dormem, pobres pássaros
morrem, pobres pássaros
ele toma um café
ou um chá, ele toma
o que tiver, ele toma

ele volta a dormir
o sol volta a brilhar
de repente e sua pálpebra
se esquenta e se avermelha
e ele volta a acordar
o sol se estabiliza num
brilho opaco de outono

acordado ele fala
só, ele fala, ele fala só
aquilo que quer ouvir
que quer que seja dito
o gato responde

velho gato preto cego
"velho gato preto cego"
ele diz e o gato não
o velho gato preto cego
não diz nada há um ano
e agora só chora
e responde à solidão

velho triste gato preto cego
ele se senta no sofá
aonde se senta acordado
geralmente
e assovia a ópera de sua mãe
de frente pra trás e toca
piano descalço no tapete no sofá

ele toma mais um café
ou chá ou o que tiver
ele toma o que tiver
duas vezes sempre
o que tiver sempre duas vezes

se senta no tapete
e se encosta no sofá
velho sofá triste preto
só não é cego por ter botões

o velho gato preto cego
deita no sofá e balança
o rabo preto no nariz dele
ele não faz nada só sente
é tudo o que sente
não sente muito, sente uma coisa
o velho triste gato preto cego
e o rabo preto indo e vindo
um pêndulo vivo natural preto

morde o rabo preto
e o velho gato preto cego
pula e berra e foge pra janela
pela janela foge e sente
tudo, ele sente muito
mas não demonstra
frio como um tronco
frio como o outono

pisa na rua fria e preta
com suas patas frias e pretas
se confunde no ir e vir das máquinas
corre foge de algo que nunca viu
e nunca fugiu, o som tortura
trezentos e trinta e três cavalos
alinhados brincam de torturar
alinhados brincam de confundir
alinhados brincam de atropelar
alinhados brincam de sujar
alinhados brincam de feder
alinhados brincam de correr
alinhados brincam de apressar
alinhados brincam de assustar
alinhados brincam de torturar
alinhados brincam de matar
matam

alinhados
brincam

desalinhado
morre velho triste preto cego
mordido traído torturado
confuso atropelado sujo
fedido suado assustado
morto

não responde mais à solidão
ela deixou marcas
no seu triste velho rabo preto.