domingo, 18 de julho de 2010

calvilíadas

crescia ouvindo histórias de todos
todos que contavam as histórias
e ele não tinha nada o que contar
só ouvia e dançava e cantava
quando ouvia algo que não era história
e sim música

cresceu e amou umas quatro vezes
duas intensamente uma nem tanto
outra até a morte dela
tinha quarenta e três anos e bateu o carro
ele tinha quarenta e seis e não tinha saído no dia
enquanto ela o traía com seu melhor amigo

agora era só
pensava ter
amado demais
pensava ter
chorado demais
por amor
mas a solidão gritava
e contorcia-se nele
e no seu silêncio

cinquenta e dois
cinquenta e três
cinquenta e quatro
cinquenta e cinco

colecionando livros
e discos de vinil
não tinha o que fazer
só tinha dinheiro
e nem era muito
era o suficiente pra vida
e pros livros e discos

enquanto pensava não ter mais vida
não ter mais nada pra viver
cresciam seus cabelos
e cortava seus cabelos
rasos
no mesmo lugar da avenida
a cada dois meses num sábado de manhã

os cabelos rasos ficavam mais rasos
e quase não tinha mais o que cortar
e ele se apavorou
primeiro pensou que era pelo medo de ficar careca
tentou achar algo
especialistas
produtos
química
ervas
nada
depois
pensou
sobre ser
careca e não tinha problema com isso
não tinha a quem agradar
mas sua angústia não passava
algo o enchia de medo e isso ia aumentando
ele tinha que saber a razão daquilo
ele precisava entender a sua tristeza

um dia
no sábado
ele foi
de novo
cortar o cabelo

quando não se tem nada
você se apega
ao mais fino barbante

bem que ele
no medo
inexplicável
da calvice
percebeu
"eu amo o cabeleireiro".

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